VAMOS FICAR ATENTOS A CURA PODE ESTAR PROXIMA.
06 FEVEREIRO 2015 - 002
Reportagem de Natalia Cuminale, publicada em edição impressa de VEJA
ESPERANÇA PARA O DIABETES
Pesquisadores da Universidade Harvard descobrem hormônio
capaz de multiplicar as células produtoras de insulina. A betatrofina é o
que há de mais promissor no tratamento da doença
É a notícia mais animadora no combate ao diabetes desde o isolamento
da insulina, em 1921. Em artigo publicado na revista científica Cell,
pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, anunciaram a
descoberta do hormônio betatrofina, capaz de promover a proliferação
das células beta.
Localizadas no pâncreas, elas são responsáveis pela síntese de
insulina, também um hormônio, imprescindível para a entrada de açúcar
nas células de todo o organismo. Nos diabéticos, as células beta ou são
destruídas ou não funcionam a contento. Nas experiências com
camundongos, em cujo metabolismo foi acelerada em laboratório a produção
de betatrofina, o número de células secretoras de insulina aumentou, em
média, dezessete vezes; chegou a 33 vezes, em alguns casos.
Encontrado no fígado e no tecido adiposo, já está provado que, entre
os seres humanos, o hormônio recém-descoberto tem a mesma função. “O
achado de Harvard tem o potencial de levar à cura do diabetes”, diz
Freddy Eliaschewitz, diretor do Centro de Pesquisas Clínicas (CPClin),
de São Paulo, e um dos grandes estudiosos do assunto no Brasil.
Com 366 milhões de vítimas no mundo, 12 milhões delas brasileiras, o
diabetes é uma doença crônica grave e em franca ascensão. Em 2030, os
doentes devem chegar a 552 milhões. Apesar da alta taxa de mortalidade
em decorrência do problema, a adesão ao tratamento é baixíssima. No
Brasil, por exemplo, apenas 20% dos pacientes diagnosticados seguem as
orientações médicas à risca.
Além do controle rígido da alimentação, da prática regular de
exercícios e dos medicamentos orais, muitos diabéticos só conseguem
controlar a doença com injeções de insulina. São duas, três picadas
todos os dias.
Apesar de todos os avanços da medicina, contudo, nenhuma versão
sintética da insulina acompanha o ritmo natural do organismo. Em um
organismo saudável, ela só é liberada pelo pâncreas quando os níveis de
açúcar (ou glicose, no jargão médico) estão acima do normal.
Ainda não se conseguiu desenvolver uma insulina em comprimidos que
passe incólume pelo trato gastrointestinal, e as experiências com a
insulina inalável se revelaram um fracasso. “Se tudo funcionar como o
esperado, a betatrofina poderá substituir de vez a insulina”, disse a
VEJA Peng Yi, coautor da pesquisa de Harvard. Ele assina o trabalho com
Douglas Melton, diretor do Instituto de Células-Tronco da universidade
americana.
O entusiasmo com a betatrofina não é apenas dos pesquisadores.
Estende-se também à indústria farmacêutica. O hormônio já foi licenciado
pelo laboratório Janssen, subsidiário da Johnson & Johnson. Na
Evotec, empresa alemã de biotecnologia, quinze pesquisadores trabalham
com a betatrofina.
A expectativa é que a versão sintética do hormônio esteja disponível
para pesquisas clínicas em cinco anos. Há ainda, portanto, um longo
caminho até que a betratrofina chegue ao mercado. Nos camundongos de
laboratório, o hormônio manteve as taxas de insulina em níveis adequados
por oito dias. Como a nova substância não foi testada em seres humanos,
ainda não é possível prever a periodicidade de administração da
betatrofina para o tratamento do diabetes.
A betatrofina é resultado de quatro anos de estudos e teve como ponto
de partida um mecanismo já conhecido na endocrinologia. Uma condição
conhecida como resistência à insulina. Nela, o pâncreas produz insulina,
mas as células do organismo não conseguem aproveitá-la de maneira
adequada.
Como forma de defesa, o organismo “entende” erroneamente que está
faltando insulina e aumenta a produção de células beta. A equipe de
Melton e Yi deflagraram um quadro de resistência à insulina nos
camundongos. Em seguida, injetaram a betatrofina nos animais. Pela
lentes do microscópio, os cientistas verificaram a intensa replicação de
células beta.
Para determinar a origem da nova substância foi utilizada uma técnica
de leitura de genes conhecida como análise de microarray.
Descobriu-se, então, a origem da secreção da betatrofina, no fígado e
nas células adiposas. A princípio, o hormônio recebeu um nome em inglês,
rabbit, porque foi descoberto no ano chinês do coelho e por promover a
multiplicação acelerada das células beta.
Há mais de quinze anos Douglas Melton se dedica ao estudo das células
pancreáticas secretoras de insulina. Tudo começou quando seu filho mais
velho foi diagnosticado com diabetes tipo 1 – mais tarde sua filha
também seria acometida pelo mesmo mal. O diabetes tipo 1 é a versão mais
grave da doença. Nela, o sistema imunológico do próprio paciente
destrói as células beta.
Com isso, o organismo torna-se incapaz de produzir insulina, o que
deixa os doentes dependentes das injeções desse hormônio. Responsável
por cerca de 90% de todos os casos de diabetes, o tipo 2 está associado
aos péssimos hábitos da vida moderna – as dietas desreguladas e
calóricas e o sedentarismo – e a uma tendência genética.
O acúmulo de tecido adiposo pode levar a um quadro de resistência à
insulina, o que predispõe ao diabetes. Ainda é cedo para dizer se a
descoberta de Melton livrará seus filhos do diabetes, mas certamente ela
abriu uma perspectiva promissora no combate ao mal que avança
silenciosamente no organismo.
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